quarta-feira, 21 de julho de 2010
Arquivo- 1 ano sem Kurt Cobain
Pensando bem, parece uma lenda. Daquelas longas, cheias de revira-voltas, e com finais que, mais do que tristes, são realistas. Comédia, aventura, farsa e tragédia, muita tragédia. A vida mais uma vez imita a arte. Daqui a uns vinte anos, todos nós q realmente vivemos este momento estaremos contando aos filhos toda aquela loucura que foram os primeiros anos da década de 90. E podem ter a certeza de que vai ser difícil acreditar que foi possível existir uma banda tão singular e perigosa como o Nirvana, numa época onde tudo estava tão domesticado e previsível. Ou um rockstar que tenha conseguido ser verdadeiramente podre de rico e infeliz ao mesmo tempo, como foi o caso de Kurt Cobain.
Kurt fazia questão de traduzir na música sua dor, decepção e tudo mais. Estava lá, nas letras, na atitude, na voz rouca que rasgava a garganta, na microfonia, no quebra-quebra de guitarras baratas. Mas ninguém percebia. Por algum mecanismo estranho e perverso, as pesssoas tendem a minimizar o sofrimento dos famosos. Exemplos como Jim Morrison (vocalista do The Doors), Jimi Hendrix e Jamis Joplin já estavam esquecidos há muito. Mas a bala que atravessou as idéias do líder do Nirvana serviu como lembrete de que às vezes o destino põe no poder um selvagem disposto a abalar as estruturas ou morrer tentando. Quiseram domesticar o cara. Mudar sua música, suas letras, a capa de seus discos. Criar clones dele. Transformá-lo em referencial de estilo e moda, tornando-o assim menos perigoso. Mas não deu. Nunca o pegaram vivo.
E, enquanto vivo, Kurt foi bem próximo de um herói. Um herói trágico, que para a mediocridade parecia mais um bandido. O fato é que, descontados todos os seus problemas pessoais, Kurt - e o Nirvana - fizeram muito pelo rock 'n roll. Aliás, o rock nunca mais foi o mesmo depois deles. Se você hoje vê novas bandas na MTV, não se esqueça de que o Nirvana é o culpado. Se você está vestindo flanela, usando cavanhaque, ou arranjou um emprego mesmo tendo cabelo comprido, o Nirvana é o culpado. Tudo de pesado que você ouve nas (poucas) rádios também está em débito com o Nirvana. Não estamos só falando de uma banda que vendeu milhões de discos - não estamos falando de Pearl Jam - , ou de uma banda que teve inúmeros hits - também não estamos falando do Metallica. O assunto também não é sobre um grupo que vive de escândalo - ou seja, nada em comum com o Guns 'N' Roses. Estamos falando de uma banda que revolucionou costumes: mudou o modo e vestir dos jovens, colocou outos tantos no mau caminho, abriu a porta para milhares de bandas, criou conceito de mercado de música alternativa, inspirou uma molecada a pegar na guitarra, e mostrou para toda uma geração acostumada a rebeldes de araque que a estrada do rock n' roll pode ser muito feia, dura e suja com quem anda de verdade na contramão. E o pior é que o Nirvana conseguiu tudo isso meio que sem querer. E em míseros três anos.
Se pensarmos um pouco além percebemos que tudo isso deve ter sido demais para Kurt. Ele teve que se acostumar desde criança com a idéia de pais separados e violentos, conviveu com a solidão e a dureza absolutas(chegou a trabalhar como vigia noturno de um laboratório). E acabou encontrando no rock um remédio para sua dor, como tantos de nós. Via shows do Black Flag, ouvia discos do Black Sabbath, do Devo, dos Vaselines, Meat Puppets, entre outros, enchia a cara e ensaiava com sua banda. Em suma, era um excluído. Tanto que custou a acreditar quando o primeiro disco do Nirvana, Bleach, de 1989, vendeu razoavelmente bem e levou-os para uma grande gravadora (a Geffen). Era a ascenção.
Então veio setembro de 1991, e com ele Nevermind. Sucesso infinitamente superior ao esperado, shows lotados, fãs histéricos, os mais antigos virando as costas. Clips que não saíam da MTV, entrevistas nas mais importantes revistas do planeta, todo mundo querendo saber direito o que era esse tal de 'teen spirit' e 'como é esse Kurt ou Curt ou Kurdt Cobain' (ele assinava dessas três formas). Tudo ao mesmo tempo. O ano de 92 foi o paraíso: casamento, drogas, escândalos, clips, turnês, excessos. Estilistas vendendo por milhares de dólares coleções imitando a flanela barata que os caras do Nirvana insistiam em usar. Dezenas de gravadoras procurando o 'novo Nirvana' e dando oportunidade à bandas novas. E muito, muito dinheiro. Era a glória.
De lá pra cá, todo mundo se lembra: o Nirvana escapou ao controle de todos, inclusive de seu líder e criador. Fãs antigos elitistas crucificando a banda, fãs novos querendo um pedaço de Kurt, abutres da imprensa marcando cerrado e executivos gordos ganhando em cima. Qualquer Axl Rose da vida relaxaria e deixaria a máquina registradora tilintando, às vezes surrando uma garota ou outra só pra manter a fama de mau. Mas Kurt Cobain se negava a isso. Misturava-se ao público em todos os shows que ia, vestia-se como um ser humano normal, dava forças para as bandas de amigos que não tinham sucesso. E peitava os decision-makers de sua gravadora, os retrógrados das cadeias de loja de discos, a imprensa sensacionalista, os censores de plantão. Atitude não muito inteligente, não muito segura, mas corajosa demais.
Só que tudo tem limite. A luta era solitária. Toda a estrutura viciada era mais forte, o que deprimia Kurt. Assim, como todo rockstar sensível, ele entrou numa rota inconsciente de suicídio. As drogas, que já era frequentes, tornaram-se indispensáveis. Para piorar, musicalmente o Nirvana estava num beco sem saída. Os caras não aguentavam mais repetir a fórmula microfonia-suavidade-barulho todas as noites. Era a queda.
Claro que Kurt tentou escapar. Reinventou a banda. Incorporou novos elementos. Ensaiou febrilmente um repertório acústico que apontava o próximo caminho a ser trilhado. Mas foi em vão. O estrago já estava feito. E o tal repertório acústico se transformou num requiém belíssimo para o gênio maldito.
O que de fato nunca saberemos é se o suicídio dele tinha como objetivo chamar atenção para sua dor ou simplesmente acabar com ela de uma vez. Mas fica a impressão de que foi tudo um episódio injusto. Uma banda qualquer levaria duas décadas para operar as mudanças que o Nirvana conseguiu. Mas o Nirvana não durou duas décadas: pagou caro, muito caro, a coragem que teve. E quanto a Kurt, deve estar em paz:deixou de ser uma estrela relutante para se tornar um exemplo de tudo que não pode ser controlado. Talvez, daqui uns vinte anos, apareça outro assim para a apreciação de nossos filhos.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário